1 de fev. de 2015

Carta do Cacique

Esta é uma carta que foi feita em 1855 para o presidente Franklin Pierce, dos EUA, pelo cacique da tribo Duwamich depois que o governo mostrou interesse em adquirir as terras deles. Os índios sempre tiveram noção de ecologia, bem antes do homem branco conquistar as terras. A natureza é incrível; uma pena só darmos valor depois que sua preservação agora é necessária e urgente.

O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não ne­cessita da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, pois sa­bemos que se não o fizermos o ho­mem branco virá com armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe em Washington pode confiar no que o chefe Seatle diz, com a mesma certeza com que os nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estre­las. Elas não impalidecem. 

Como podes comprar ou vender o céu - o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do res­plendor da água. Como podes comprá-los de nós? Decidi­mos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada uma fo­lha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de neblina nas flo­restas escuras, cada clareira e to­dos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na cons­ciência do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de vi­ver. Para ele um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um es­tranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e de­pois de exauri-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo do seu pai, sem remorsos de cons­ciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece as se­pulturas dos antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empo­brecerá a terra e vai deixar atrás de si os desertos. A vista de tuas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada en­tende, o barulho das cidades é para mim uma afronta contra os ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio pre­fere o suave sussurro do vento sobre o espelho da água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pi­nho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vi­vos respiram o mesmo ar - animais, árvores, homens. Não parece que o ho­mem branco se importe com o ar que respira. Como um mori­bundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O ho­mem branco deve tratar os animais como se fossem irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco, que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso do que um bisão que nós, índios, matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto fere a terra fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nos­sos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam o corpo com ali­mentos doces e be­bidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mas algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que tem vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos. Um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de con­fiança como o nosso.

De uma coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julgas, talvez, que O podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer o bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças.

Continua poluindo a tua própria cama e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de aba­tido o último bisão e domados todos os cavalos silvestres, quando as matas misteriosas fede­rem à gente - onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinhas da torre, à caça do fim da vida e o começo da luta para sobreviver...

Talvez compreenderíamos se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do fu­turo oferece às suas men­tes para que possam formar os desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do ho­mem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consen­tirmos, é para ga­rantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez pos­samos viver os nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vender­mos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E com toda a tua força, o teu poder, e todo o teu coração con­serva-a para teus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.